09 abril 2014

Bruxas no Brasil.


bruxas no brasil

O cinema e a literatura já incansavelmente abordaram esse assunto, mas as histórias contadas costumam se referir a casos ocorridos na Europa ou Estados Unidos.

Pouca gente sabe, mas pessoas acusadas de praticarem bruxaria também foram levadas à fogueira aqui no Brasil.

Os casos não são numerosos, porém, a Igreja também fez suas vítimas em terras tupiniquins.

Ao contrário do que muitos acreditam, a Igreja Católica não foi a única a criar instituições que se dedicavam à supressão do que era considerado heresia. Em alguns países protestantes, como a Alemanha, essa prática também existiu.

Como no Brasil era a Igreja Católica quem exercia poder, os casos de acusação de bruxaria foram feitos por meio dela.

Não me aprofundarei no assunto “Inquisição”, não é esse o objetivo da matéria, e sugiro que visitem o link referente a ela, caso haja maior interesse.

Portanto, prosseguirei no caso das “bruxas” no Brasil.

bruxas no brasil

Se formos comparar com os moldes do que era considerado bruxaria na Europa, na realidade não existiram bruxas no Brasil, segundo a Igreja. Por lá as mulheres eram caçadas e levadas à fogueira pelo envolvimento com satanismo, sacrifícios ou simples pensamento herético, enquanto por aqui as acusações se baseavam em práticas que se baseavam em um misto de sabedoria popular, utilização de recursos naturais para o tratamento e cura de doenças, adoração de entidades estranhas à Igreja ou o simples fato de se discordar dela.

No Brasil o Tribunal do Santo Ofício nunca foi instaurado, ainda que tenham ocorrido três Visitações do Santo Ofício às terras brasileiras.

Os “Visitadores”, que eram os enviados pelo Tribunal com o intuito de averiguar algum tipo de acusação, estiveram apenas nas capitanias prósperas na época: Grão-Pará, Pernambuco e Bahia.

Como na época São Paulo não era nada além de um pobre aglomerado de algumas dúzias de ruas e vielas ao redor do rio Tamanduateí, a caça às bruxas ficou a cargo do clero local.

Ainda assim algumas mulheres acusadas de bruxaria conheceram a morte na fogueira da “Inquisição paulistana”.

Na época, ao se deparar com o termo "bruxaria" o povo logo imaginava pessoas que manipulavam energias malignas e mantinham algum tipo de contato com demônios, mas conforme veremos a seguir, os casos passavam longe disso.

bruxas no brasil

Em 1692 Mima Renard e seu marido se mudaram da França para o Brasil e acabaram se instalando na ainda Vila de São Paulo. Mima era uma mulher muito bela e talvez essa tenha sido sua maldição.

Ela despertava a cobiça dos homens e, consequentemente, a inveja das mulheres da vila, tanto que seu marido foi assassinado. O acusado pelo crime foi um homem, casado, que pretendia abandonar a família e toma-la como esposa.

Sozinha, sem ter como se manter, Mima foi levada à prostituição.

Uma mulher tão desejada pelos homens, agora sendo uma prostituta, levou a comunidade masculina ao delírio e, claro, o ódio das mulheres pela francesa aumentou ainda mais.

Mima tinha tudo para ter uma vida confortável, porém uma crise de ciúme de um de seus clientes resultou em novo assassinato. Detalhe interessante é que ambos os envolvidos no crime eram casados.

Diversas pessoas se queixaram ao padre local sobre Mima, acusando-a de usar feitiços que enlouqueciam os homens e, como resultado, a bela francesa foi queimada viva.

bruxas no brasil

Em 1750 foi aberto um processo acusando Isabel Pedrosa de Alvarenga de bruxaria. A acusação partiu de um dos “familiares do Santo Ofício” (como eram chamados os espiões da Igreja). Segundo ele, Isabel carregava um saco contendo umbigos de crianças, tufos de cabelo, panos ensopados de sangue, bicos de pássaros e toda espécie de material bizarro que seria utilizado para a prática de feitiçaria.

Na verdade Isabel nada mais era do que uma mulher pobre que vivia nas ruas à custa de esmolas.

Mesmo sem jamais admitir estar envolvida com a prática de bruxaria, foi condenada à morte.

Outro caso, não menos revoltante, se deu em 1754 com Ursulina de Jesus.

Casada com Sebastião, figura bastante importante na região, foi acusada pelo próprio marido de praticar bruxaria. Segundo ele, a esposa fazia feitiços para retirar-lhe a virilidade e assim evitar que tivessem filhos.

No processo aberto pela Igreja, por incrível que pareça, consta o depoimento de Cesárea, a amante de Sebastião, confirmando seu insucesso sexual.

Dois anos após a morte de Ursulina, Cesárea e Sebastião se casaram, sem nunca terem tido filhos.

Outro caso aconteceu em 1798 e a acusada da vez foi Maria da Conceição.

Maria era conhecida na vila de São Paulo por preparar poderosos remédios e poções para atrair o sexo oposto. O sucesso dos seus produtos era tamanho que ela passou a gozar de certa reputação.

Porém, por algum motivo desconhecido, ela ganhou a antipatia de um padre, chamado Luís, e logo a acusação de bruxaria caiu sobre ela.

Maria foi queimada viva em uma fogueira próxima ao Convento de São Bento, no centro de São Paulo.

O caso de Adelaide Quintana é ainda mais surreal e revoltante. Viúva, ela herdara a fortuna de seu marido e, por não ter filhos, tinha uma vida solitária. Para dar um propósito à sua vida ela passou a levar para sua casa crianças que encontrava na rua. Lá elas eram alimentadas e ganham roupas novas. Geralmente essas crianças eram filhas de operários.

Não se sabe quem fez a denúncia, mas chegou ao conhecimento da paróquia regional que Adelaide atraia as crianças para sua casa com o intuito de coletar seu sangue, lágrimas e cabelo para a realização de bruxarias.

O destino de Adelaide nós já supomos qual foi.

Como pudemos ver, as acusações de bruxaria movidas a essas mulheres ocorreram por motivos que nada tinham a ver com o que podemos denominar “bruxaria”.

Mulheres que sofriam essas acusações normalmente eram lavadeiras de mortos, curandeiras, parteiras ou adivinhas, típicas profissões femininas da época, mas de pouco prestigio.

bruxas no brasil

Mas há casos em que a Igreja parece não ter agido apenas por motivos políticos ou particulares.

Em 1750 um juiz assinou a sentença em que acusava uma escrava paulistana, chamada Páscoa, de bruxaria. Segundo o Santo Ofício, ela utilizava fios de cabelo, pedaços de unhas e até mesmo fezes humanas não apenas para fazer feitiços de amarração, benzimento ou cura, mas para matar. Consta dos autos que Páscoa fizera um pacto com o diabo e fora responsável pela morte de cinco pessoas.

Em 30 de julho daquele ano o caso foi encaminhado à Inquisição, em Portugal, porém o paradeiro de Páscoa é desconhecido.

Processos descobertos nos arquivos das arquidioceses relatam que entre os anos de 1749 e 1771 nove mulheres e quatro homens foram acusados de bruxaria ou feitiçaria em São Paulo, nesses registros consta o nome de Páscoa.

Em Portugal a sentença mais comum imposta a quem fosse acusado de bruxaria era o exílio no Brasil de forma que o país ficou repleto de benzedeiras e milagreiras e, cá entre nós, essas práticas estão distantes de serem consideradas obras do demônio.

Como sempre aconteceu, as práticas mais abomináveis promovidas pela Igreja sempre foram justificadas como sendo formas de liquidar todo tipo de pensamento contrário aos seus dogmas, pelo bem da humanidade, salvação da alma e em nome de Deus, mas no fundo atendiam a interesses bem menos nobres, principalmente quando estavam em jogo a riqueza e o poder.

Teriam essas mulheres sido queimadas vivas se fossem nobres damas da sociedade?

Ainda que suas práticas fossem contrárias aos preceitos cristãos, teriam sido acusadas de bruxaria caso não tivessem incomodado alguma pessoa influente dentro da Igreja?

Hipocrisia e interesse não são males inerentes aos tempos atuais, eles existem desde o início da civilização.

O próprio saber feminino, no passado, era visto como bruxaria.


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